ATA DA QÜINQUAGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLA­TIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 07.11.1989.

 


Aos sete dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e oitenta e nove reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Qüinquagésima Primeira Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatu­ra, destinada a assinalar o transcurso do Centenário da Proclamação da República pela sua significação na História Política do Brasil. Às quatorze horas e cinqüenta e um minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalida­des presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Lauro Hagemann, Primeiro Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo esta Sessão; Tenente-Coronel Álvaro Ferreira, representando o Governo do Estado do Rio Grande do Sul; Professora Rosângela Barros, da Escola “Grande Oriente do Brasil”; Professora Lenita Regina Noal Colp, da Escola “Heitor Villa Lobos”, Ver. Wilton Araújo, Segundo Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre; e Verª Letícia Arruda, autora da proposição e Presidente da Comissão de Educação e Cultura deste Legislativo. Após, o Sr. Presidente convidou os presentes a, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional. Em prosseguimento, fez pronunciamento alusivo à comemoração, registrou a presença de escolares no Plenário e, discorrendo sobre os fatores que nortearam a mudança de regime no País, aconselhou os alunos a lerem muito sobre a República, asseverando ser o estudo importantíssimo para a definição dos horizontes pessoais desses escolares e da Nação. Após, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos oradores que falariam em nome da Casa. A Verª Letícia Arruda, como proponente da Sessão e em nome das Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PTB e PL, falou da satisfação desta Casa em receber os alunos de primeiro grau nesta tarde, discorreu sobre os motivos da queda da Monarquia no País, dos ideais republicanos e apropinqüou a importância dos festejos do Centenário da República com a realização de eleições presidenciais. O Ver. Giovani Gregol, em nome da Bancada do PT, parabenizou a Verª Letícia Arruda pela proposição, comentou e analisou fatores relativos à mudança de regime político no País, destacando que a proclamação da República trouxe grandes avanços para o Brasil, especialmente o da descentralização do poder. E o Ver. Omar Ferri, em nome da Bancada do PSB, discorrendo sobre o assunto, questionou a comemoração do Centenário da República; asseverando se tratar de uma “República desgastada e falida”, salientou ser apenas uma comemoração formal, tendo em vista que não supre os anseios democráticos da população brasileira. A seguir, o Sr. Presidente convidou os presentes a, de pé, ouvirem a execução do Hino Riograndense. Às quinze horas e quarenta e oito minutos, levantou os trabalhos convidando as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Lauro Hagemann e secretariados pelo Ver. Wilton Araújo. Do que eu, Wilton Araújo, 2º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.       

 

 


O SR. PRESIDENTE (Lauro Hagemann): A Mesa comunica que farão pronunciamentos nesta Sessão os Vereadores Letícia Arruda, Giovani Gregol e Omar Ferri.

Antes de conceder a palavra ao primeiro orador, a Mesa quer dizer aos que aqui se encontram do significado dessa comemoração. A República, todos os que estão nas escolas sabem, foi proclamada no dia 15 de novembro de 1889. Daqui há uma semana vamos ter o Centenário da Proclamação da República, mas, casualmente, neste ano do Centenário, o dia 15 de novembro vai ser utilizado para a votação para Presidente da República. Depois de 29 anos sem eleição presidencial, os brasileiros vão escolher o novo Presidente da República. Esta eleição vai acontecer justamente no dia do Centenário da Proclamação da República. Por isso, a Câmara Municipal, através da Verª Letícia Arruda, antecipou a comemoração do Centenário para o dia de hoje. De certa forma, a comemoração do centenário da república não está tendo em nosso País a atenção que mereceria. A República veio para o Brasil muito depois dos outros países da América do Sul se tornarem independentes, quando passaram do estado colonial para o sistema republicano, imediatamente. Isto aconteceu em média 70 anos antes da proclamação da república brasileira. Ficamos, de 1822 até 1889, sob o regime de monarquia. O Brasil tinha um imperador, D. Pedro I, o último foi o D. Pedro II. Isto para vocês, futuramente, vai ser objeto de indagações. Por que o Brasil foi o último País que se tornou independente na América do Sul e foi, também, o último a adotar o regime republicano? Isso decorre de toda uma formação histórica. Não tenho palavras para explicar em termos mais singelos o que pode significar isso, mas gostaria que vocês entendessem que, mais tarde, à medida que vão avançando nos estudos e na idade, vocês vão começando a entender por que essas coisas foram acontecendo em nosso continente. Isto tem muito a ver com a divisão da América em América Espanhola e Portuguesa. Os países que foram colonizados pela Espanha, quando se tornaram independentes, passaram logo para o sistema republicano e o país que foi colonizado pelos portugueses não passou logo para o regime republicano, passou antes por um sistema de monarquia. Isto de certa forma atrasou a nossa vida, apesar de nós representarmos quase a metade do Continente Sul Americano. Não vamos, agora, entrar, aqui, no mérito se a Monarquia foi boa ou má, mas acontece que isso é um registro histórico. Esperamos que vocês, daqui a uma semana, quando se comemorar efetivamente, o Centenário da República, vocês comecem a pensar um pouco sobre isto e, sobretudo, leiam tudo que puderem sobre a Proclamação da República.

Antes de concedermos a palavra à Verª Letícia Arruda, autora da proposição, nós vamos convidar toda a assistência para, de pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(É executado o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, a Verª Letícia Arruda, que falará pelas Bancadas do PDT, PDS, PMDB, PTB e PL.

 

A SRA. LETÍCIA ARRUDA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores, Professores, queridos alunos e demais presentes, o período de Comunicações da Sessão desta tarde é dedicado a homenagear o Centenário da Proclamação da República.

Estamos contentes e é para nós uma grande honra em recebê-los na Casa do Povo. Temos certeza que estas visitas se multiplicarão no decorrer dos próximos anos. Esperamos que vocês, jovens, tenham consciência do dever cívico e, na oportunidade, deixamos registrados o nosso protesto de veneração e respeito.

Preliminarmente, é preciso discordar daqueles que entendem que o povo brasileiro não tenha tido maior participação nos acontecimentos que antecederam à Proclamação da República. Com efeito, a tão divulgada frase do republicano histórico Aristides Lobo, dizendo que “O povo assistiu bestificado à Proclamação da República”, não resiste a uma análise crítica.

Na verdade, o processo histórico, o qual chegou ao auge com a derrubada da monarquia, foi lento e penoso. Ao contrário, o que se pode afirmar é que no Brasil as idéias republicanas estiveram presentes nos movimentos de rebeldia que marcaram nossa história política. Uma das questões que contribuíram para o fim da Monarquia no Brasil foi religiosa, pois, nessa época, a igreja se encontrava subalterna ao Estado. Assim tendo recusado as ordens do Governo, alguns bispos foram presos, o que tornou o Imperador bastante impopular.

Também prejudicou o Governo de D. Pedro II a questão escravocrata, uma vez que os grandes fazendeiros, descontentes com a libertação dos escravos, passaram a aderir a causa republicana.

Posteriormente, a questão militar envolvendo o Comandante de Armas da Província do Rio Grande do Sul, Marechal Deodoro da Fonseca, também corroborou para a causa republicana, tornando mais impopular o Governo Monárquico de D. Pedro II.

O Barão de Cotegipe disse, efetivamente, embora por outras palavras, que a Princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea, poderia estar iniciando a libertação de uma raça, porém acabara de perder o trono.

A riqueza continuou concentrada nas mãos dos grandes fazendeiros e a economia permaneceu baseada na produção agrícola do café para a exportação. Dessa maneira a produção do café esteve sempre em destaque em relação aos demais produtos.

A queda da monarquia brasileira não pode ser entendida sem uma reflexão sobre a insatisfação dos latifundiários com o fim da escravatura. A monarquia caiu no momento em que tentou alterar o poder agrário no Brasil, do mesmo modo que João Goulart caiu ao insistir na tese da reforma agrária. Os positivistas, liderados por Benjamin Constant, o mais importante Ministro do Governo Provisório tentaram enfrentar, sem sucesso, o impasse.

Já se passaram cem anos e a República mostra sua complexidade e contradições em grau ainda maior. Desde então, a herança da escravidão continua a desafiar a política brasileira, esta herança não foi resgatada e seu espírito perambula pelas ruas do Brasil, que passou a viver uma espécie de guerra civil pré-ideológica. A República resultou das lutas travadas pelos grandes contingentes urbanos das camadas médias, apoiadas por todos os setores populares da Nação, da burguesia nascente e fração do latifúndio do café que abandonara o trabalho escravo. A força preponderante do movimento republicano repousou nos contingentes das camadas médias, já que o operariado, embora participando, como atestam várias greves, era ainda incipiente.

O Exército, pela sua origem, e com a força e organização que lhe são inerentes, representou a vanguarda da classe média e de todas as classes sociais que apoiavam a mudança do regime político. A República importou em dar vários passos à frente em nossa estrutura política. O novo regime terminou com o poderoso Poder Moderador, com vitaliciedade do Senado, com o direito de voto fundado na renda. A passagem de Rui Barbosa pela pasta da Fazenda repercutiu como uma rajada renovadora naquele velho ambiente. O Governo Marechal Floriano Peixoto empolgou e conscientizou o povo. O mais grave é que as gigantescas dívidas externa e interna foram contraídas não apenas por causa da ineficiência do Estado e sim, também, para modernizá-lo, mais cedo ou mais tarde, elas serão reescalonadas, compensadas ou extintas. O perigo consiste no sucateamento do obtido, empresas estatais vendidas abaixo de custo e a adquirentes financiados pelos cofres públicos. Assim qualquer um pode ser empresário, desde que esteja no velho esquema patrimonialista entre parentes e amigos usando a coisa pública como se privada fosse.

Há cem anos, exatamente, no dia nove de novembro, a monarquia realizava na Ilha Fiscal seu último baile homenageando visitantes chilenos. Seis dias depois tropas republicanas curavam a ressaca dos festeiros proclamando a República do Brasil. Apesar de enfermo “sem forças para segurar a espada” o Marechal Deodoro da Fonseca, com 62 anos, assumiu o Governo Provisório, rompendo o regime imperial de 67 anos.

Neste século de repúblicas, velhas e novas repúblicas, muita luta surgiu, muito sangue derramou-se, centenas de angústias apareceram, anseios e sonhos foram sufocados, mas, acima de tudo, ela foi mantida pela garra e denodo de muitos. Não foram cem anos de mar tranqüilo. Ao contrário, as convulsões foram várias, as tensões assinalaram grande tempo da sua história. Mas, finalmente, podemos, hoje, no limiar de novo período, anunciar a volta da eleição direta do seu primeiro mandatário, após recesso de um quarto de século. E, rogamos aos céus se inicie após 15 de novembro um período saudável da República proclamada em 1889, e possa o Brasil desenvolver, afinal, um governo voltado diretamente aos anseios da gente brasileira.

Desejamos de todo o coração, e acima de tudo, que se torne concreta por todo o tempo, a verdade contida nos versos de seu Hino: “Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”.

  

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Giovani Gregol, em nome da Bancada do PT.

 

O SR. GIOVANI GREGOL: Prezado Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, ora presidindo esta Sessão Solene; Tenente-Coronel Álvaro Ferreira, representando o Governo do Estado do Rio Grande do Sul; Professora Rosângela Barros, da Escola Grande Oriente do Brasil; Professora Lenita Regina Noal Colp, da Escola Heitor Villa Lobos; Ver. Wilton Araújo, 2º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre; e Verª Letícia Arruda, autora da proposição e Presidente da Comissão de Educação e Cultura desta Casa, a quem eu, em nome da Bancada do PT, parabenizo pela iniciativa e excelente idéia que teve de trazer aqui os escolares para participarem juntamente conosco desta Sessão. Eu confesso, Sr. Presidente, que estou agradavelmente surpreendido, porque quando fui designado pela Liderança da minha Bancada para representar o PT, nesta Sessão Solene, que comemora o Centenário da Proclamação da República no Brasil, esperava um outro tipo de público que normalmente temos aqui, de pessoas adultas, e ao chegar aqui vi toda a criançada e fiquei muito satisfeito. Inclusive, havia feito uma pesquisa analisando uma série de aspectos e fazendo uma avaliação crítica da proclamação e história, principalmente, da República Brasileira, como ela transcorreu nesses últimos cem anos baseando-me muito na obra clássica do mestre Leôncio Basbaum, que é a “História Sincera da República”, talvez vocês o leiam daqui a alguns anos, é considerado um livro obrigatório.

Mas eu vou adaptar o meu pronunciamento que tinha preparado, e pretendo mesmo assim analisar alguns aspectos interessantes da nossa história republicana. Por que, afinal, foi Proclamada a República? Por que não continuou a monarquia no Brasil? A história muda. Geralmente se diz que ela caminha para frente, mas ela não muda ao acaso, existem razões, motivos, causas para as transformações históricas e sociais. E mais ou menos na época em que houve a Proclamação da República, o Brasil passava por uma série de mudanças mais ou menos profundas. Qual a mudança mais flagrante, aquela que salta aos olhos quando estudamos, quando procuramos conhecer aquela época histórica em que foi Proclamada a República no Brasil? A mudança mais profunda, sem dúvida nenhuma, foi a chamada Abolição da Escravatura, que não se deu no mesmo dia, mas praticamente na mesma época, ou seja, cerca de um ano antes, 1º de maio de 1888 a 15 de novembro de 1889.

Nós sabemos que a história muda mais lentamente do que mudamos nós, pessoas. Trinta, quarenta, setenta anos, enfim, a vida de uma pessoa, é muito tempo, muitas pessoas não chegam a viver tanto. No entanto, quarenta anos, em termos de história, é muito pouco. Por isso, esse ano e meio que separa a data da Abolição da Escravatura da data da Proclamação da República, na realidade, em termos históricos é praticamente a mesma data, a mesma coisa. O fim da escravidão no Brasil e a Proclamação da República aconteceram, historicamente, num mesmo momento, praticamente. Estes dois fatos, de que forma estão ligados? Nós sabemos que a escravidão no Brasil foi extremamente longa. Aliás, fomos o último País, em todo o planeta terra, que acabou com a escravidão.  Isso é um fenômeno histórico que tem enormes reflexos sobre a história do nosso País, inclusive para se entender o Brasil, hoje, a nossa realidade, os nossos problemas, temos que estudar história e um dos fatos que nos ajuda muito é essa história da escravidão no Brasil. Na realidade, durante mais de 400 anos quem realmente trabalhava, no Brasil, eram os escravos, ou seja, eram pessoas escravizadas que eram obrigadas a trabalhar e que não recebiam absolutamente nada pelo seu trabalho. Pelo contrário, eram submetidas a maus tratos, torturas no pelourinho, chicotadas para trabalharem. Os primeiros escravos do Brasil, ao contrário do que se conta, foram os índios. Isso muitas vezes não é ressaltado, se pensa que os primeiros escravos do Brasil foram os africanos, pessoas de cor negra que aqui chegaram para trabalhar de forma forçada, mas que lá eram pessoas livres. Antes de os africanos serem trazidos, em grande quantidade, os primeiros escravos foram nossos indígenas. Quando o número de indígenas diminuiu, porque eles fugiam dos brancos – porque ninguém quer ser escravo – se adentravam na mata, morreram por causa das guerras com os brancos ou dizimados por doenças, foi então que começaram ser trazidas, da África, pessoas em quantidades enormes. Naquela época, a maior parte das pessoas que aqui viviam eram escravos; não tinham, reconhecidos, os seus direitos de cidadania, não tinham direito de entrar na justiça contra alguém e o dono dos escravos podia fazer com eles o que bem quisesse. Depois foram dados aos escravos alguns direitos, mas eles ainda não eram considerados no mesmo nível das outras pessoas. Onde é que trabalhavam essas pessoas? Trabalhavam principalmente na plantação da cana de açúcar, principalmente no Nordeste e depois em outras regiões. Quem é que mandava no Brasil? Quem tinha o poder político no Brasil durante o período colonial, ou seja, no período em que fomos colônia de Portugal, nós não éramos um País propriamente dito, éramos uma colônia sem independência, sem soberania, e mesmo depois da Proclamação da Independência essa classe era grande proprietária de terras e tinha a sua principal atividade na plantação de açúcar e tinham como mão-de-obra, como base do trabalho nas suas propriedades os escravos, ou seja, eram pessoas que não trabalhavam, mas que viviam do trabalho dos outros. Inclusive, daí é que veio uma coisa que eu custei muito a entender porque no Brasil existe a idéia de que i índio era vagabundo, que não gosta de trabalhar ou coisas desse tipo. É óbvio que as pessoas que trabalhavam para os outros e não ganhavam nada trabalhando, é óbvio que elas não gostavam de trabalhar, é óbvio que elas faziam corpo mole, porque se você é obrigado a trabalhar e não ganha nada com isso, é óbvio que não vai ter gosto de trabalhar. Então, se criou esse mico de que o índio tinha que ser maltratado porque era preguiçoso e vagabundo, e que o escravo também era preguiçoso e vagabundo, e por isso tinha que ser maltratado e chicoteado para que pudesse trabalhar. É óbvio que ele não gostava de trabalhar porque ninguém gosta de trabalhar sendo escravo, muito menos sendo chicoteado.

Essa classe que criou essa mentalidade ela ainda imperava no Brasil à época da Proclamação da República e era a classe que por um lado apoiava o império ou pelo menos permitia a existência do Império no Brasil, na época o nosso Imperador era D. Pedro II, filho de D. Pedro I, que proclamou a nossa Independência. Mas o que aconteceu em 1888? O império, através da chamada Princesa Isabel, que vocês conheceram, oficializou, depois de uma longa campanha abolicionista com participação popular, etc, oficializou o fim da escravidão no Brasil, e aí o quê que aconteceu? Aquelas pessoas que eram os grandes donos de terra, que eram os grandes donos das lavouras, ou seja, eram os grandes proprietários dos escravos, pois os escravos, como expliquei, não eram considerados gente: eram considerados coisa. Assim como o cara tinha um cavalo, ele tinha um escravo ou um carro ou qualquer outro objeto. Esses grandes proprietários que tendo escravos sustentavam a forma de governo que era a forma monárquica, ou seja, o Império brasileiro, ao perderem os seus escravos, ao ser proclamada a Abolição no Brasil, aqueles escravos todos deixavam de ser posse, de ser objeto de posse, propriedade, essas pessoas se desinteressaram e passaram a desapoiar, retirar o apoio do governo imperial.

Isso é considerado pelos historiadores um dos motivos principais da Proclamação da República, ou seja, aquela base social, aquele grupo de pessoas que antes apoiavam o Imperador passou a retirar o seu apoio na medida em que, segundo eles, o próprio Imperador tinha concordado, tinha permitido a abolição e eles tinham perdido uma grande parte da sua riqueza que eram os próprios escravos, que eram considerados um objeto qualquer que se comprava e se vendia. Então a riqueza das pessoas se calculava assim: “Olha, fulano tem mil escravos”. Era um cara milionário e de repente essas pessoas não eram mais escravos.

Então, esse é um dos motivos. Além disso, se fala de outros motivos, que vocês já estudaram ou vão estudar, a “questão religiosa”, a “questão militar”, porque o exército brasileiro depois da Guerra do Paraguai, cresceu em importância porque o País sustentou uma longa guerra, aliás, aliado com os exércitos da Argentina e Uruguai contra o Paraguai, que é uma história bastante polêmica, na qual não vou entrar, aqui. O exército cresceu em importância, mas os militares da época se sentiam, digamos assim, insatisfeitos com o tratamento que recebiam do Império e culpavam disso, principalmente, a figura do Imperador, porque eles se achavam pouco valorizados. Também, esse grupo social que antes dava sustentação ao Império retirou esse apoio e foi justamente o grupo que articulou de forma organizada a Proclamação da República. Não é a toa que o Proclamador da República foi o Marechal Deodoro da Fonseca que era uma das principais lideranças militares da época.

Agora, esta questão da Abolição da escravatura, de que fomos o último País que aboliu a escravatura e um dos últimos a se tornar independente e de que fomos, nas Américas, o último a proclamar a República, porque os outros países eram colônias da Espanha, quando declararam sua independência da Espanha se transformaram, imediatamente, em repúblicas. Proclamaram quase que no mesmo momento suas repúblicas e o Brasil, ao contrário, proclamou a independência, mas ficou durante uma época sendo uma monarquia e só depois que veio proclamar a República.

Ora, se considerarmos que a Independência é um avanço histórico em relação à colônia, se considerarmos que a liberdade, a conquista do fim da escravatura é um avanço em relação à situação anterior e que grande parte dos brasileiros não eram considerados pessoas, não tinham direito da cidadania, se considerarmos tudo isso vamos ver que esses três fatos somados mostram um quadro que condiciona a nossa realidade brasileira, hoje.

O Brasil, hoje, é um País que passa por uma série de problemas graves, não somos um País que possamos dizer que está tudo bem. Estamos perto de um momento histórico importantíssimo para o futuro de nosso País e para o futuro de vocês. Depois de 30 anos, nós vamos fazer, pela primeira vez eleições; vamos conseguir eleger, aquilo que é um direito mínimo que deveria ser uma coisa normal, o Presidente da República. O nosso atraso econômico, o nosso subdesenvolvimento, a nossa miséria, o problema da saúde, o Brasil é um País de mais de 30 milhões de analfabetos, pessoas que não sabem ler e nem escrever; um País com doenças como Hanseníase, chamada de Lepra, como a Malária, o Mal de Chagas. Tem uma série de problemas de saúde pública, problemas de educação, de pessoas, de crianças que vivem na rua, tudo isso, de certa forma foi influenciado, está ligado a nossa história. O fato de que em alguns aspectos importantes da evolução nós nos atrasamos. Nós tivemos os escravos e fomos o último País a libertar os escravos. Fomos um dos últimos países a proclamar a sua independência. Quando proclamamos a nossa Independência, em vez de proclamarmos a República, tivemos uma fase de Monarquia. E, finalmente, fomos um dos últimos países a proclamar a República. Quer dizer, aqueles países que deram estes passos antes de nós, de certa forma correram na nossa frente e conseguiram se organizar mais. Não que eles não tenham problemas, mas já superaram uma série de dificuldades que nós ainda não conseguimos superar.

Mas a Proclamação da República, inegavelmente, é um grande avanço. Ela trouxe uma anormalidade institucional jurídica, mais igualitária. Ela trouxe a divisão dos poderes no Brasil, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo, porque o poder ainda imperava no Brasil, havia o direito divino dos Reis, aquele princípio do poder absoluto ou, se não absoluto, desproporcionalmente grande, do Monarca, do Rei, do Imperador. Ela trouxe condições melhores para a igualdade entre os brasileiros e para o desenvolvimento nacional, inclusive com o fim da escravidão, com a mão-de-obra livre e com a introdução de uma outra profunda mudança econômica, que era a economia cafeeira.  O Brasil, mais ou menos por esta época vai deixando as outras formas econômicas e vai cada vez mais tendo como principal produto o café, através da sua industrialização incipiente, da construção das primeiras estradas de ferro, da divisão, do parcelamento inicial do solo, pequenas propriedades que começam a surgir ainda muito devagar, em algumas regiões do Brasil. O Brasil, enfim, dá uma série de passos para se transformar no que é hoje. A industrialização propriamente dita só vai-se concretizar mesmo muito tempo depois da Proclamação da República, ainda na chamada Revolução de 30. Mas o fato é que, reconhecendo a importância da Proclamação da República, estando consciente do passo fundamental que foi para o nosso avanço histórico e social esta Proclamação, mesmo assim, nós devemos ter, porque esta é a realidade, uma visão real dos fatos, inclusive uma visão crítica que se baseia, inclusive, na constatação de que a república, no Brasil, não conseguiu ainda consolidar, até hoje, um regime realmente democrático, um regime realmente de liberdade. Somente agora, daqui a poucos dias é que vamos ter a restauração democrática no Brasil e nós esperamos que, no futuro, todos possam participar normalmente, que não passemos mais por períodos de exceção, onde as leis democráticas não sejam cumpridas, onde as eleições democráticas possam se realizar normalmente e onde o seu resultado seja realmente respeitado. Isto será, sem dúvida nenhuma, uma conquista que é também fruto da Proclamação da República no Brasil. Muito obrigado. 

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Omar Ferri, pelo PSB.

 

O SR. OMAR FERRI: Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Câmara de Porto Alegre, presidindo esta Sessão; Tenente Coronel Álvaro Ferreira, representando o Governo do Rio Grande do Sul; Professora Rosângela Barros e Lenita Noal Colp; Verª Letícia Arruda, autora da proposição desta Sessão Solene em homenagem ao Centenário da República. Sr. Presidente, não falarei mais do que cinco minutos, e solicito que advirta caso ultrapasse esse tempo. Mas, cem anos de República, que República? Essa que está aí? Mas essa está tão desmoralizada que, a não ser uma ou outra comemoração em algumas pouquíssimas Câmaras de Vereadores do Brasil, não se fala em cem anos da República. Temos que fazer este cotejo, porque no primeiro Centenário da Revolução Francesa, na França, foram espetáculos de luz, de alegria e de festa cívica, e, agora, nos duzentos anos da Revolução Francesa, a França explodiu de entusiasmo comemorando os dias gloriosos de uma revolução que colocou a França e o mundo nesse período do progresso burguês capitalista. Mas qual é o progresso e o futuro deste País? Cem anos de República que vão coincidir com uma eleição em que concorrem, com preferenciabilidade eleitoral, um camelô, vendedor de baú da felicidade nas esquinas deste País, e um candidato vazio de qualquer substância ético-político-sociológica. Será que teríamos prazer de comemorar, cem anos, numa República desgastada, carcomida, cansada, velha, judiada, espezinhada, massacrada e vilipendiada? Que República é essa de dor e de fome nos quatro cantos deste País, com crianças passando fome, com milhões de brasileiros morrendo pelos quatro cantos deste mesmo País? Comemorar porque é uma posição formal, Verª Letícia Arruda, e até, digamos assim, um pouquinho de farisaísmo de nossa parte, porque não há o que comemorar, a República faliu em todos os setores da vida pública. Nós não poderíamos deixar passar esta oportunidade, não para fazer uma festa a estas crianças que possivelmente amanhã não tenham nenhum futuro neste País, porque não encontrarão nenhum mercado de trabalho porque a situação está piorando cada vez mais. Infelizmente, que lições nós já de cabelos brancos e carecas poderíamos dar a vocês, tão jovens e tão cheios de esperança. Vamos pelo menos acreditar que nos ombros de vocês, criancinhas, esteja a responsabilidade de um Brasil de amanhã, que vocês haverão de entregar para os filhos e netos de vocês, um Brasil melhor, mais justo, mais fraternal e mais humano do que aquele Brasil que nós, envergonhados, estamos agora entregando para vocês. Sou grato. (Palmas.)

(Revisto pelo orador.)

O SR. PRESIDENTE: Agradecemos a presença dos jovens estudantes da Escola Municipal de 1º Grau Larry Ribeiro Alves e da Escola Municipal de 1º Grau Vitor Issler. Nós agradecemos a presença da Profa Ludovica Marbela; das Professoras, Rosângela Barros, da Escola Grande Oriente do Brasil, e Lenita Regina Noal Colp da Escola Heitor Villa Lobos, e do Tenente Coronel Álvaro Ferreira, representando, neste ato, o Governador do Estado. Agradecemos a presença de todos que vieram abrilhantar esta Sessão Solene da Câmara Municipal de Porto Alegre que comemora, hoje, com uma semana de antecedência, o Centenário da Proclamação da República.

Gurizada se existe alguma coisa que se possa dizer a vocês, neste dia, é que vocês, quando chegarem a nossa idade, de cabelos brancos e como disse o Ver. Ferri, quase careca, vocês possam entender melhor o que significa a Proclamação da República e por isso só há um caminho: estudar, estudar e se não entenderem as coisas perguntem para alguém que possa responder. Mas continuem estudando, esta é a única coisa certa que existe neste mundo. O Brasil precisa de vocês, e vocês são o futuro do Brasil. E este futuro significa conhecimento e estudo. Sem isso o Brasil não vai sair da situação em que está. Antes de encerramos nós vamos ouvir, de pé, o Hino Rio-grandense.

 

(Ouve-se o Hino Rio-Grandense.) (Palmas.)

 

 O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos desta Sessão Solene.

 

(Levanta-se a Sessão às 15h48min.)

 

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